Com mais de 80% da população vacinada já com a segunda dose contra a covid-19 no país, as empresas têm se questionado sobre a possibilidade de exigência de comprovação de vacinação de funcionários no retorno às atividades presenciais ou mesmo quando da contratação de novos empregados.
A Lei 13.979/2020, artigo 3º, III, disciplina, no que se refere especificamente à vacinação, que entre as medidas de combate à pandemia, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, a determinação de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas.
O Supremo Tribunal Federal, através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.586, entendeu que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, no entanto, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, entre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou a frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes.
O STF também fixou que não há violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar, entendendo que é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina, que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações; tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; ou seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico.
No entanto, o Ministério do Trabalho e Previdência publicou no final de 2021, a Portaria nº. 620/2021, que proíbe o empregador de exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação.
Referida Portaria considera prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação.
A portaria, no entanto, faz a ressalva de que os empregadores poderão oferecer aos seus trabalhadores a testagem periódica que comprove a não contaminação pela Covid-19, ficando os trabalhadores, nesse caso, obrigados à realização de testagem ou à apresentação de cartão de vacinação.
Em vista de toda polêmica gerada, o próprio Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou nota técnica recomendando que as empresas continuem exigindo o comprovante de vacinação dos funcionários enquanto durar a pandemia da Covid-19, exigindo a comprovação de vacinação de seus trabalhadores ou de quaisquer outras pessoas, como estagiários, terceirizados, dentre outros, como condição para ingresso no meio ambiente laboral, salvo se houver justificativa para a recusa de vacinação.
O MPT entende que o ambiente coletivo de trabalho possibilita o contato de trabalhadores e agentes causadores de doenças infecciosas, como a Covid-19 e recomendou, ainda, a realização de campanhas internas de incentivo à vacinação.
Verifica-se, assim, que a Portaria do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) é no sentido oposto à orientação do Ministério Público do Trabalho (MPT), assim como das decisões que até então estavam sendo proferidas pela Justiça do Trabalho.
Por este motivo, a sua constitucionalidade foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, por meio das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 898, 900, 901 e 904.
O Ministro Roberto Barroso, concedeu a medida cautelar pleiteada e embasou sua tese nas pesquisas que indicam a vacinação como medida essencial e eficaz para a redução do contágio da COVID-19, considerando que a presença de empregados não vacinados no âmbito da empresa ensejaria ameaça para a saúde dos demais trabalhadores, assim como, risco de danos à segurança e à saúde do meio ambiente laboral e, ainda, de comprometimento da saúde do público da empresa.
A referida decisão, portanto, determinou a suspensão dos dispositivos da Portaria que consideravam discriminatória a exigência do comprovante de vacinação para a manutenção ou contratação de empregados, ficando novamente autorizada, conforme entendimento anterior.
Tendo em vista os fatos destacados, questiona-se, qual postura e cuidados devem ser adotados pelas empresas?
Em primeiro lugar, não há dúvidas de que a empresa deve observar os princípios contidos na LGPD.
O tratamento dos dados de vacinação de funcionários pressupõe que a empresa irá realizar a atividade de tratamento de dados relativos à saúde, que são classificados como dados sensíveis, de acordo com o artigo 5º, II, da LGPD.
Esclarece-se que a atividade de tratamento, quando envolver dados pessoais sensíveis, deve estar embasada em uma das hipóteses legais previstas no artigo 11 da LGPD, pois esses são dados que necessitam de maiores cuidados, para garantir a segurança e, principalmente, evitar tratamento discriminatório.
Para que seja realizado o tratamento de dados em conformidade com a LGPD, a empresa deverá observar alguns princípios, entre os quais, referentes aos dados sensíveis, destacam-se: finalidade (propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular); adequação; necessidade; transparência (informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento de dados) e não-discriminação (vedada a realização do tratamento de dados para fins discriminatórios, ilícitos ou abusivos).
Lembrando que o artigo 11 da LGPD, define que o tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer em algumas hipóteses definidas em lei, como, por exemplo, a atribuição da base legal; da proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro; do consentimento e do cumprimento de obrigação legal ou regulatória pela empresa.
Isso quer dizer que, em meio à pandemia da Covid-19, atualmente é possível que a empresa exija de seus colaboradores, durante o contrato, ou na fase pré-contratual, o comprovante de vacinação e justifique o tratamento de dados relativos à vacinação dos funcionários com base na proteção à incolumidade física de todos os empregados.
Ana Paula Carolina Abrahão Rodrigues é advogada e sócia do Mesquita Ribeiro Advogados.
Muito interessante.