No ordenamento jurídico brasileiro, a nulidade de um processo administrativo pelo Judiciário representa medida excepcional, mas de extrema importância, para assegurar a legalidade, a justiça e a imparcialidade na prática de atos administrativos.
Fato é que muito se discute acerca dos limites para a revisão judicial dos atos administrativos, notadamente aqueles dotados de caráter discricionário.
O Processo Administrativo Disciplinar (“PAD”) é o procedimento administrativo destinado a apurar infrações funcionais de servidores públicos, podendo resultar em sanções disciplinares. Regulamentado pela Lei nº 8.112/1990, referido procedimento deve seguir princípios basilares, como o contraditório, a ampla defesa e a imparcialidade, os quais, tamanha a importância, devem ser respeitados, inclusive, pela comissão de apuração preliminar, geralmente composta por servidores designados que têm o papel crucial de investigar os fatos e elaborar um relatório conclusivo sobre a conduta do servidor investigado.
A imparcialidade, portanto, é um dos pilares fundamentais do devido processo legal, tanto na esfera judicial, quanto na administrativa. No contexto de um Processo Administrativo Disciplinar, em que influências políticas podem ser mais intensas, a imparcialidade na condução da comissão de apuração é essencial para garantir a justiça e a equidade no julgamento de possíveis infrações funcionais.
Ademais, a imparcialidade é um princípio constitucional implícito derivado do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV da Constituição Federal), exigindo que os membros da comissão de apuração não possuam interesses pessoais, preconceitos ou influências externas que possam impactar no julgamento dos fatos. A imparcialidade, com isso, garante que a investigação e o julgamento sejam conduzidos de forma justa, transparente e sem vieses, preservando a confiança nas instituições públicas.
É nesse contexto que, recentemente, a 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por meio de votação unânime, reconheceu, em caso patrocinado pelo Mesquita Ribeiro Advogados, a nulidade de um Processo Administrativo pela falta da necessária imparcialidade da comissão preliminar de apuração.
Referido processo envolvia um servidor público, celetista, acusado de infrações administrativas que também eram objeto de apuração em uma operação policial amplamente divulgada pela mídia nacional. Ainda durante a instrução do “PAD”, o servidor apontou, reiteradamente, que o presidente da comissão de apuração não poderia exercer tal função, já que não era servidor efetivo e, consequentemente, não possuía necessária estabilidade, em comprometimento da sua imparcialidade para condução dos trabalhos.
Como tais fatos foram simplesmente desconsiderados no âmbito administrativo, não restou alternativa ao servidor investigado a não ser ajuizar a competente Ação Declaratória de Nulidade que, como dito acima, teve os pedidos acolhidos pelo TRT da 2ª Região, tendo por supedâneo justamente o fato de que o presidente da comissão de apuração exercia cargo em comissão, sujeito a influências externas, o que impactou diretamente no resultado do processo administrativo.
A Justiça considerou, ainda, que houve violação à necessária imparcialidade na condução da comissão e, igualmente, ao artigo 149, da Lei nº 8.112/90, que tem raízes fincadas no princípio do devido processo legal, tornando nulo todo o “PAD”, assim como as suas conclusões.
Tal entendimento, claramente, tem sua razão de ser. Isso porque a regra insculpida no supracitado art. 149, da Lei nº 8.112/90, representa uma “exigência-garantia”, tanto para o servidor processado, quanto para o servidor processante, pois, na mesma medida em que impede que este atue sob as ameaças e pressões, impossibilita que aquele seja julgado sem isenção, em virtude da ausência da garantia de estabilidade de quem o julga.
Destaca-se que “para garantir essa imparcialidade, tem-se entendido, inclusive na jurisprudência, que os integrantes da comissão devem ser funcionários estáveis e não interinos ou exoneráveis ad nutum1“.
Assim, concluiu-se, com acerto, que os membros da comissão processante devem ser estáveis, para que suas atividades não sejam influenciadas por ameaças de despedimento. Garante-se, assim, ao servidor que está sendo investigado/processado, o máximo de isenção possível por parte daqueles que investigam e julgam os fatos que lhe são imputados.
Além disso, o TRT da 2ª Região ainda reconheceu, no mesmo caso em análise, outra nulidade insanável, já que a secretária da comissão processante era subordinada a um dos acusados no procedimento administrativo, o qual foi posteriormente absolvido. Tal fato afronta o previsto no art. 275, do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo.
A decisão serve como um precedente importante, pois reforça a necessidade de imparcialidade mesmo na condução de Processos Administrativos Disciplinares que, apesar da certa informalidade a eles inerentes, devem observar os princípios norteadores do devido processo legal, o que inclui até mesmo a constituição das comissões de apuração.
O reconhecimento da nulidade, em tais casos, promove a segurança jurídica, garantindo que os servidores públicos tenham seus direitos fundamentais respeitados em procedimentos disciplinares, que jamais podem ser maculados por qualquer caráter inquisitivo.
O processo foi patrocinado pelos advogados Bruno G. Borges dos Santos, Charles Taufik S. Berbare Neto e Bruno Casare Vergílio, que compõem a banca do escritório Mesquita Ribeiro Advogados.