1. Contexto e objetivos do PERSE.
O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) foi instituído pela Lei nº 14.148/2021 com o objetivo de impulsionar a recuperação das atividades econômicas mais afetadas pela pandemia da COVID-19. O programa concedeu alíquota zero de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS para empresas enquadradas nas atividades específicas previstas em regulamento, abrangendo o setor de eventos, turismo, hotelaria e áreas correlatas.
A Instrução Normativa RFB nº 2.114/2022 delimitou o alcance do benefício, estabelecendo que a alíquota zero se aplica exclusivamente às receitas vinculadas às atividades listadas na Portaria ME nº 7.163/2021, tais como:
• Organização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais e culturais;
• Casas de eventos, buffets e casas noturnas;
• Hotéis e serviços turísticos;
• Administração de salas de cinema.
Entre as principais limitações fixadas pela Receita Federal estão:
• Vedação a empresas optantes do Simples Nacional;
• Exigência de que a atividade beneficiada já fosse exercida em 18/03/2022;
• Obrigatoriedade de CADASTUR regular na mesma data para as atividades turísticas;
• Não aplicação ao PIS/COFINS-importação;
• Exclusão de receitas financeiras e não operacionais.
Em 2024, o programa sofreu mudança significativa com a edição da Lei nº 14.859/2024, que impôs um limite global de R$ 15 bilhões em renúncias fiscais. A norma determinou que, uma vez atingido esse teto, o benefício seria automaticamente encerrado.
A Receita Federal, ao constatar o alcance do limite, editou o Ato Declaratório Executivo (ADE) RFB nº 2/2025, comunicando a extinção do PERSE a partir dos fatos geradores de abril de 2025. Na prática, isso representou a retomada da tributação normal do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre receitas antes beneficiadas, desencadeando ampla controvérsia judicial.
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2. Controvérsia jurídica: a revogação antecipada e seus fundamentos.
O principal debate jurídico gira em torno da validade da revogação antecipada do benefício.
Para os contribuintes, a limitação posterior afronta o artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN), que protege as isenções concedidas por prazo certo e sob condição onerosa, impedindo sua revogação antes do término. Argumenta-se ainda violação aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, uma vez que as empresas planejaram suas atividades considerando a vigência do incentivo até 2027. Esse raciocínio é reforçado pela Súmula 544 do STF, segundo a qual “isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas”.
Por outro lado, a União sustenta que a alíquota zero não equivale à isenção, mas a uma redução de tributo, podendo ser modificada conforme a política fiscal e orçamentária. Defende que a Lei nº 14.859/2024 observou o princípio da responsabilidade fiscal, ao compatibilizar o incentivo com a sustentabilidade das contas públicas.
Outro ponto sensível é a falta de transparência quanto ao cálculo que levou ao encerramento do programa. O ADE RFB nº 2/2025 não apresentou demonstração técnica detalhada sobre a apuração do teto de R$ 15 bilhões, o que suscita questionamentos com base nos princípios da legalidade, publicidade e motivação dos atos administrativos.
Há ainda o argumento de que o encerramento não observou o prazo de anterioridade nonagesimal (90 dias), previsto na Constituição Federal (art. 150, III, “c”), aplicável a medidas que aumentem a carga tributária. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.108 (REINTEGRA), reconheceu que reduções de benefícios fiscais que resultem em aumento indireto de tributo devem respeitar esse prazo.
Por analogia, o mesmo entendimento pode ser invocado em favor dos beneficiários do PERSE, permitindo a manutenção do benefício por 90 dias após a revogação, ainda que não se reconheça sua continuidade até 2027.
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3. Medidas judiciais e o alerta quanto às ações coletivas.
Com a revogação do PERSE, diversas ações judiciais foram ajuizadas por empresas do setor para resguardar o direito à manutenção dos benefícios. Entre as estratégias utilizadas, destacam-se os mandados de segurança individuais e as ações declaratórias com pedido de tutela de urgência, amparadas no art. 178 do CTN e na jurisprudência do STF.
Contudo, tem crescido de forma preocupante a oferta de mandados de segurança coletivos propostos por entidades associativas, frequentemente intermediados por escritórios de advocacia especializados em direito tributário, que oferecem adesão simplificada e rápida a empresas do setor.
Essa prática exige máxima cautela.
A adesão a ações coletivas conduzidas por associações pode parecer uma alternativa de baixo custo, mas acarreta riscos jurídicos significativos:
• As decisões judiciais normalmente só produzem efeitos para associados filiados antes da impetração, conforme jurisprudência pacífica dos tribunais superiores;
• A empresa pode não estar devidamente representada se a associação não comprovar pertinência temática ou regularidade estatutária;
• Há risco de autuação fiscal caso o benefício seja usufruído com base em liminar coletiva posteriormente revogada;
• E, sobretudo, o contribuinte perde o controle individual da estratégia processual, dificultando eventual compensação de tributos ou defesa em fiscalizações futuras.
Assim, recomenda-se evitar adesões genéricas a medidas coletivas, priorizando análises individualizadas que considerem o histórico fiscal, a comprovação documental da atividade beneficiada e a viabilidade probatória do enquadramento no PERSE.
O ingresso em ações próprias e personalizadas oferece maior segurança e rastreabilidade jurídica, reduzindo o risco de litígios fiscais futuros e de responsabilização por eventual fruição indevida do benefício.
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4. Ações diretas no STF e perspectiva futura.
Atualmente, tramitam no Supremo Tribunal Federal três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs nº 7587, 7609 e 7817), todas sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, que questionam a constitucionalidade da Lei nº 14.859/2024 e do ADE RFB nº 2/2025.
As ações foram propostas, respectivamente, pelo Partido Novo, Partido Podemos e pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). O julgamento de mérito ainda não foi concluído, e seu desfecho será determinante para definir se o encerramento do PERSE observou os limites constitucionais e os direitos adquiridos dos contribuintes.
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5. Conclusão:
O PERSE foi um importante instrumento de estímulo à recuperação econômica pós-pandemia, mas encontra-se extinto administrativamente e em plena disputa judicial.
Os argumentos pela sua manutenção até 2027 baseiam-se na irrevogabilidade de benefícios fiscais concedidos por prazo certo, na Súmula 544 do STF e nos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima. Já o governo federal sustenta a validade do teto orçamentário e a legitimidade da revogação antecipada.
Enquanto não houver definição pelo STF, recomenda-se que as empresas avaliem cuidadosamente a pertinência de medidas judiciais, evitando aderir a ações coletivas de caráter massificado e buscando estratégias individuais fundamentadas, com documentação completa e assessoria jurídica especializada.
Somente uma atuação criteriosa poderá resguardar o direito ao benefício e prevenir litígios tributários futuros.
Gabriela Junqueira Franco de Moraes Prado é sócia da área tributária e Lara Verola Advogada na área tributária do escritório Mesquita Ribeiro Advogados, com unidades em São Paulo, Ribeirão Preto/SP e Jaú/SP.
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